Arrecadação de impostos no Brasil sempre foi implacável com o mais pobre
O Brasil precisa desenvolver uma nova estrutura tributária que integre as demandas de uma economia sustentável com as novas exigências da sociedade de serviços, focando na promoção da equidade.
Do ponto de vista contábil, o Estado retorna à sociedade, por meio de políticas públicas, os recursos arrecadados através da tributação do excedente gerado pelo processo econômico, descontados os custos de funcionamento do próprio governo. Assim, é importante avaliar a eficiência e o custo do Estado ao utilizar os recursos arrecadados, além de compreender a origem e o destino da carga tributária sob sua responsabilidade.
Historicamente, a arrecadação no Brasil foi pouco alinhada à equidade, favorecendo a acumulação privada e beneficiando principalmente os detentores de grandes fortunas. Em outras palavras, a evolução das receitas e despesas públicas sempre refletiu o caráter de classe do Estado, que tende a ser rigoroso com os menos favorecidos e brando com os mais ricos.
Por exemplo, nota-se que a estrutura tributária brasileira herdada do período imperial (1822-1889) pouco se modificou em relação ao seu caráter regressivo. Isso significa que a maior parte das receitas públicas ainda provém de tributos indiretos, que afetam de forma mais intensa aqueles que têm menor renda.
Com a transformação da sociedade agrária em uma sociedade urbana e industrial a partir de 1930, as principais fontes de receita pública mudaram do comércio exterior para o consumo interno. Esse movimento permitiu que a tributação sobre capitais e propriedades, que beneficiam os mais ricos, fosse negligenciada. Antes da Revolução de 1930, o imposto sobre importação, que representava cerca de dois terços da receita pública, foi gradualmente substituído pela tributação sobre a produção e o consumo interno.
Desde então, três grandes reformas tributárias foram realizadas para aumentar a arrecadação, o que sobrecarregou ainda mais as camadas mais baixas da sociedade. A primeira, conduzida por Getúlio Vargas, foi crucial para a industrialização do país. A segunda, durante o regime militar, modernizou o sistema tributário e a administração pública, com avanços na tributação direta (como o Imposto de Renda), mas manteve o caráter regressivo da arrecadação. Além disso, ampliou os gastos públicos para setores que menos necessitavam de apoio.
A terceira reforma, promovida pela Constituição de 1988, introduziu novos tributos com o objetivo de financiar a expansão e descentralização dos gastos públicos, especialmente ligados ao Estado de bem-estar social. No entanto, o aumento da arrecadação foi acompanhado por uma piora na qualidade do sistema tributário, reforçando a regressividade e sobrecarregando a população de baixa renda.
Em 2012, por exemplo, cidadãos que ganhavam até dois salários mínimos comprometiam 197 dias do ano com o pagamento de tributos, enquanto aqueles com renda superior a 30 salários mínimos destinavam apenas 106 dias do mesmo ano a essa obrigação. Quase quatro décadas antes, em 1975, trabalhadores que recebiam até dois salários mínimos dedicavam 103 dias ao pagamento de impostos, enquanto os mais ricos comprometiam apenas 75 dias com a tributação.
Diante desse cenário, o Brasil, no início do século 21, precisa estabelecer uma nova matriz tributária que leve em conta tanto as demandas de uma economia ambientalmente sustentável quanto os novos desafios da sociedade de serviços. Ao contrário do passado, essa nova matriz deve ter como foco a busca pela equidade tributária.
Um exemplo relevante seria a redução do Imposto de Renda (IR) para cerca de 13,5 milhões de contribuintes que recebem até cinco salários mínimos por mês. Isso porque a arrecadação gerada por esse grupo de brasileiros, que representa 50% do total de 27 milhões de declarantes, corresponde a apenas 1% (R$ 1,2 bilhão) da receita total do IR.
Além disso, a reintrodução da tributação sobre lucros e dividendos, vigente até 1995, poderia aumentar a arrecadação do IR em cerca de R$ 44 bilhões. Essa mudança atingiria aproximadamente 2,2 milhões de contribuintes de alta renda, resultando em um aumento de quase 39% na receita total do IR.